Até aqui chegarás, e não além, aqui cessa a arrogância de tuas ondas?
Neste domingo temos a alegria de celebrar o Mistério Pascal do Senhor, onde encontramos a fonte e o cume da fé cristã. Por Cristo, com Cristo e em Cristo renovamos o compromisso batismal de viver no Espírito, aguardando ansiosamente a vinda definitiva do Reino que neste momento se esconde no coração do Pai.
Portanto, se alguém está em Cristo, é uma nova criatura.
O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo.
Cf. 2Cor5,14-17
Neste tempo do Espírito nos encontramos na Barca da Igreja, que navega enfrentando as ondas revoltas, os banzeiros que desejam, mas não conseguem, afundar aquela que foi colocada em alto mar pelo seu Fundador.
O que tem de especial nesta barca? Seres humanos frágeis e limitados que aceitaram a vocação de viverem em Cristo através da Graça do Espírito que suscita e capacita. Estes homens e mulheres sacramentados pelo amor de Deus vivenciam a novidade inaugurada pelo Mistério Pascal de Jesus de Nazaré, portam em si o desejo constante de uma vida nova em Cristo.
Limitados e fragilizados, mas antes de tudo, amados!
Os grandes ventos que sopram chamam-se limitaçõese as grandes ondas fragilidades. Sendo assim, sabemos que as tempestades fazem parte da vida e não podemos dela fugir.
Jesus convida ao cair da tarde para atravessar,
ou seja, alcançar a outra margem.
O sim do discípulo comporta a ousadia de assumir os riscos da viagem.
Cf. Mc4,35-41
Quem é chamado à travessia? Seres humanos portadores de limitações e fragilidades, porém, que reconhecem na voz Daquele que chama o timbre do amor. Somente na loucura do amor se explica a Missão da Travessia.
O que escolher: A segurança da minha margem? A novidade da outra margem?
Na travessia o desejo do novo é abalado pela possibilidade do naufrágio. As tempestades geram crises de “desconfiança” – estamos perecendo e não te importas. Esta desconfiança nada mais é que o medo e saudade da “terra firme” da segurança e do conhecido. Portanto, arriscar-se pelo desconhecido que está na outra margem exige antes de tudo uma atitude de fé na esperança que não decepciona.
Eis a tempestade, enquanto isso… Deus dorme
Esta é a lamentação tradicional dos vocacionados à Barca da Igreja. Processos de humanização estagnados, traumas alimentados, busca por culpados, ausência de perdão, vitimização, crises de relações e vazio existencial são os sintomas de uma doença espiritual que gera a desconfiança do Amor de Deus.
O Livro de Jó nos ensina que nem sempre é fácil fazer a leitura da presença de Deus
no mundo do sofrimento e das limitações humanas.
Cf. Jó38,1.8-11
Voltando na história do “Deus que dorme” podemos fazer duas abordagens:
- Os sintomas acima apresentados quando são sublimados, ou seja, colocados como centro da vida, anulam parcialmente os efeitos da graça de Deus em nossa vida, pois eles geram “crises de confiança”. Quando chego a conclusão que Deus dorme e não se preocupa com as “minhas tempestades” é por que estou cego. Neste ponto, a Cruz de Cristo não me fala mais nada e a Eucaristia se torna um muro de lamentações.
- Outra imagem, contrariamente diferente da primeira, expressa que “Deus dorme” pois quem ama, quem se cuida, que não eterniza crises afetivas… dorme bem. Nada melhor que uma boa noite de sono. Deus dorme durante a tempestade porque na maioria das vezes em nossos infantilismos espirituais fazemos “tempestades em copo d’água” e aqui vale o ditado popular: “quem pariu Mateus que o embale”.
O Reino está na outra margem
A Igreja vive momentos difíceis. Passamos pelas turbulências da perseguição religiosa em vários países do mundo, vivemos a crise moral que nos coloca como réus diante dos tribunais e sobretudo, as crises da humanidade que são as crises da igreja enquanto vocacionada a maternidade: 800 milhões de pessoas que vivem o drama da fome, 60 milhões de refugiados, guerras e como nos lembra o Papa Francisco na Laudato si, o drama do planeta.
Uma questão: Estas crises me tiram o sono? Em que lugar me encontro para superá-las? Se a respostas as estas perguntas são frustrantes é sinal que estou distante da Missão do Redentor e assim, me rendo aos grupos eufóricos do fundamentalismo religioso que arrebanham milhões de católicos na margem da segurança e deixa a Barca da Igreja em Travessia, em Saída, com alguns “gatos pingados”.
Por pe. Éder Carvalho Assunção – Missionário da Prelazia de Lábrea no Corno da África padre.eder@hotmail.com